sexta-feira, 13 de abril de 2012

Amor por $17,50


Charles Bukowski, o velho safado. Grande poeta que ficou conhecido também por seus livros de pequenas cronicas. Confira aqui "Amor por $17,50" de Bukowski, traduzido pela editora L&pm, no livro "Ao sul de lugar nenhum":



Amor por $17,50

O primeiro desejo de Robert – quando começou a pensar nessas coisas – foi esgueirar-se, em uma noite qualquer, para dentro do Museu de Cera e fazer amor com as mulheres de cera. Isso pareceu, entretanto, muito perigoso. Limitou-se a fazer amor com estátuas e manequins em suas fantasias sexuais e viver seu mundo de fantasia.
Um dia, enquanto esperava no sinal vermelho, olhou a entrada de uma loja. Era uma dessas lojas que vendem de tudo: discos,sofás, livros, trivialidades, lixo. Foi lá que a viu, parada, com um longo vestido vermelho. Usava uns óculos sem armação, tinha boa forma; digna e sexy como costumavam ser. Uma gata de classe. Então o sinal mudou para o verde e ele teve que arrancar.

Robert estacionou um quarteirão adiante e voltou caminhando até a loja. Permaneceu do lado de fora, perto da banca de jornais, e a fitou. Até os olhos pareciam reais e a boca era muito impulsiva, só um pouquinho saliente.
Robert entrou na loja e olhou o mostruário de discos. Estava, então, próximo a ela e a olhava de modo furtivo. Não, não as faziam mais dessa forma. Usava até mesmo sapatos de salto alto.
A garota da loja veio até ele.
-Posso ajudar, senhor?
-Estou apenas olhando, moça.
-Se houver algo que queira, pode me chamar.
-Certamente.
Robert foi até o manequim. Não havia nenhuma etiqueta de preço. Imaginou se estaria à venda. Caminhou novamente até o mostruário de discos, escolheu um barato e o comprou da garota.
Na vez seguinte em que visitou a loja, o manequim ainda estava lá. Robert caminhou pela loja, comprou um cinzeiro que era moldado de forma a imitar uma cobra enrolada e depois saiu.
Na terceira vez em que esteve lá, perguntou a garota:
-O manequim está à venda?
-O manequim?
-Sim, o manequim.
-Quer comprá-lo?
-Sim, você vende coisas, não? O manequim está a venda?
- Só um momento, senhor.
A garota foi até o fundo da loja. Uma cortina se abriu e um velho judeu aparece. Os dois botões de baixo de sua camisa estavam faltando e era possível ver sua barriga peluda. O sujeito parecia suficientemente amigável.
-Você quer comprar o manequim, senhor?
-Sim, está a venda?
-Bem, na verdade não. Sabe, é uma espécie de peça de vitrine, feita de brincadeira.
-Quero comprá-la.
-Bem, vejamos...
O velho judeu foi até o manequim e começou a tocá-lo, o vestido, os braços.
-Vejamos... acho que posso vender essa... coisa... por $17,50.
-Vou levar.
Robert puxou uma nota de vinte. O vendedor contou o troco.
Vou sentir falta dela – ele disse. – Às vezes parece ser quase real. Devo embrulhá-la?
Não, vou levá-la como está.
Robert pegou o manequim e carregou-o até o carro. Deitou-a no banco traseiro. Então entrou e dirigiu até sua casa. Quando chegou lá, por sorte, não parecia haver ninguém por perto e a fez passar pela porta sem ser visto. Colocou-a no centro da sala e a olhou.
-Stella – ele disse. – Stella, sua cadela!
Caminhou até ela e deu-lhe um tapa na cara. Então agarrou sua cabeça e a beijou. Foi um bom beijo. Seu pênis começava a endurecer quando o telefone tocou.
-Alô?
-Robert?
-Sim.
-É o Harry.
-Como vai, Harry?
-Bem. O que você está fazendo?
-Nada.
-Pensei em dar uma chegada ai. Levar algumas cervejas.
-Ok.
Robert desligou o telefone, pegou o manequim e o carregou até o armário. Empurrou-o para um canto e fechou a porta.
Harry realmente não tinha muito a dizer. Ficava lá sentado com sua lata de cerveja.
-Como está a Laura? – perguntou.
-Ah – disse Robert -, está tudo acabado entre mim e Laura.
-O que aconteceu?
-A eterna mordida da vampira. Sempre em cena. Era implacável. Procurava homens em toda a parte: na loja de conveniência, na rua, em cafés, em qualquer lugar e dava para qualquer um. Não importava quem fosse, desde que fosse homem. Flertou até mesmo com um cara que discou o numero errado. Não aguentei mais.
-Está sozinho agora?
-Não, estou com outra. Brenda. Você já a conheceu.
-Ah, claro. Brenda. Ela é legal.
Harry ficou ali bebendo cerveja. Harry nunca teve uma mulher, mas estava sempre falando sobre elas. Havia algo doentio nele. Robert não encorajou a conversa, e Harry logo partiu. Robert foi até o armário e tirou Stella de lá.
-Sua puta de merda! – disse. – Andou me traindo, não é mesmo?
Stella não respondeu. Ficou ali em pé parecendo tranqüila e fria. Deu-lhe uma tremenda bofetada. Ainda está pra nascer o dia em que uma mulher traia Bob Wilkenson e fique impune. Deu outro bofetão.
-Sua piranha! Foderia um garoto de quatro anos se ele conseguisse ficar de pau duro, não é mesmo?
Deu outro tapa, então a agarrou e a beijou. Beijou-a mais e mais. Então suas mãos entraram por baixo do vestido. Tinha boas formas, muito boas. Stella o lembrava de uma professora de álgebra do ensino médio. Stella estava sem calcinhas.
-Vagabunda! – disse. – Quem levou suas calcinhas?
Então seu pênis foi pressionado contra a parte frontal dela. Não havia abertura. Mas Robert estava tomado de paixão. Enfiou o pau por entre as coxas. Era liso e apertado. Deu um jeito e seguiu adiante. Por um momento apenas, sentiu-se extremamente tolo, então sua paixão voltou novamente e ele começou a beijar-lhe o pescoço enquanto fazia o serviço.
Robert lavou Stella com um pano de pratos, colocou-a no armário atrás de um sobretudo, fechou a porta e ainda deu um jeito de assistir pela televisão o ultimo tempo de Detroit Lions contra Los Angeles Rams.
O tempo passava e tudo corria bem para Robert. Providenciou algumas melhorias. Comprou para Stella varias calcinhas, uma cinta-liga, meias longas e finas, um adereço de tornozelo.
Também comprou brincos e ficou um tanto chocado ao descobrir que seu amor não possuía orelhas. Sob todo aquele cabelo, não havia orelhas. Mesmo assim, prendeu os brincos com fita adesiva. Mas havia vantagens: não tinha de leva-lá para jantar, a festas, a filmes idiotas; todas essas coisas mundanas que significavam tanto para a mulher comum. E havia discussões. Sempre havia, mesmo com um manequim. Ela não era muito falante, mas ele estava certo de que ela, uma vez, lhe disse: “Você é o melhor amante de todos. Aquele velho judeu era um amante fraco. Você ama com a alma, Robert.”
Sim, havia vantagens. Ela não era como todas as outras mulheres que ele conhecera. Ela não queria fazer amor em momentos inconvenientes. Ele podia escolher a hora certa. E ela não menstruava. E ele a chupava. Ele cortou um pouco do cabelo da cabeça dela e colocou entre as coxas do manequim.
O relacionamento no começo era sexual, mas gradualmente ele estava se apaixonando por ela, podia sentir que estava acontecendo. Considerou a hipótese de ir a um psiquiatra, então decidiu que não. Afinal de contas, era necessário amar um ser humano real? Nunca durava muito. Havia muitas diferenças entre os sexos, e o que começava como amor, geralmente acabava como guerra.
E também não era preciso deitar na cama com Stella e ouvi-la falar sobre todos os seus antigos amantes. Como Karl tinha um troço tão grande, mas Karl não caia de boca. E como Louie dançava bem, Louie poderia ter feito a vida no ballet em vez de vender seguros. E como Marty beijava bem. Ele tinha uma maneira de tocar com a língua. E assim por diante. Que merda. É claro, Stella mencionou o velho judeu. Mas só uma vez.
Robert já estava com Stella a duas semanas quando Brenda ligou.
-Sim, Brenda? – respondeu.
-Robert, você não tem me ligado.
-Ando terrivelmente ocupado, Brenda. Fui promovido a gerente distrital e tive de reorganizar as coisas no escritório.
-É mesmo?
-Sim.
-Robert, algo está errado...
-O que você quer dizer?
-Dá pra notar pela sua voz. Algo está errado. Que diabos esta errado, Robert? Há outra mulher?
-Não exatamente.
-O que isso significa, não exatamente?
-Oh, Cristo!
-O que é? O que é? Robert, algo está errado. Vou passar ai pra ver você.
-Não há nada errado, Brenda.
-Seu filho da puta, você não quer me contar!” algo esta acontecendo. Irei até ai! Agora!
Brenda desligou, e Robert apanhou Stella e a colocou no armário, bem no fundo, no canto. Pegou o sobretudo do cabide e pendurou sobre Stella. Então voltou, sentou-se e esperou.
Brenda abriu a porta e entrou correndo.
-Muito bem, o que raios esta acontecendo? O que é?
-Escute, garota – ele disse -, está tudo bem. Acalme-se.
Brenda era boa de corpo. Seus peitos eram um pouco caídos, mas tinha belas pernas e uma bunda bonita. Seus olhos sempre tinham um aspecto desvairado e perdido. Ele jamais poderia remediar aquele olhar. Às vezes, depois de fazer amor, uma calma temporária enchia seus olhos, mas nunca durava.
-Você ainda nem me beijou!
Robert levantou-se de sua cadeira e beijou Brenda.
-Jesus, isso não foi um beijo! O que esta acontecendo? – ela perguntou. – O que está errado?
-Nada, nada mesmo.
-Se você não me contar, eu vou gritar!
-Estou dizendo, não há nada.
Brenda gritou. Caminhou até a janela e gritou. Podia-se ouvi-la por toda a vizinhança. Então ela parou.
-Deus, Brenda, não faça mais isso! Por favor, por favor!
-Vou fazer outra vez! Vou fazer outra vez! Conte o que há de errado, Robert, ou gritarei outra vez!
-Tudo bem – ele disse. – Espere.
Roberto foi até o armário, tirou o sobretudo de cima de Stella e a trouxe para fora.
-O que é isso? – perguntou Brenda – O que é isso?
-Um manequim.
-Um manequim? Você quer dizer que...
-Quero dizer que estou apaixonado por ela.
-Oh, meu Deus! Serio? Por essa coisa? Esse negócio?
-Sim.
-Você ama mais essa coisa do que a mim? Esse pedaço de celulóide, ou seja La o que for feita essa merda? Quer dizer que você ama essa coisa mais do que a mim?
-Sim.
-Ah...
Então Brenda realmente gritou. Ficou ali em pé e gritou. Robert pensou que ela jamais pararia. Então ela pulou no manequim e começou a bater e arranhá-lo. Manequim caiu contra a parede. Brenda correu pela porta, entrou no seu carro e arrancou selvagemente. Bateu na lateral de um carro estacionado, balançou e seguiu dirigindo.
Robert caminhou até Stella. A cabeça quebrara e rolara para baixo de uma cadeira. Havia pedaços de material gredoso no chão. Um braço pendia frouxamente, quebrado, dois fios para fora. Robert sentou-se em uma cadeira. Apenas sentou-se ali. Então se levantou e foi até o banheiro, ficou ali um minuto e voltou. Ficou em pé no corredor e podia ver a cabeça embaixo da cadeira. Começou a soluçar. Era terrível. Não sabia o que fazer. Lembrou-se de como tinha enterrado seu pai e sua mãe. Mas aquilo era diferente. Isso era diferente. Apenas ficou no corredor, chorando e esperando. Os dois olhos de Stella estavam abertos e frios e bonitos. Encaravam-no.

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