sábado, 14 de abril de 2012

Childe Roland à Torre Negra chegou


Poema de Robert Browning que inspirou Stephen King a escrever a saga "A Torre Negra".
Intrigante e vale a pena a leitura:

CHILDE ROLAND À TORRE NEGRA CHEGOU

Robert Browning (1812-1889)



“Primeiro pensei: ele mentiu a cada sentença O coxo encanecido, com olhos cheios de malícia Ávidos por ver nos meus de sua mentira a perícia E com a boca sem conter a alegria intensa Que repuxava seus cantos na crença De que o predador outra vez se sacia.
Qual outro seria o intuito, com seu cajado? Qual senão emboscar e laçar os andarilhos Que porventura o encontram pelos trilhos E vêm pedir direção? Que risada má eu teria escutado, quem deixaria meu epitáfio marcado por diversão nos terrosos caminhos,
Se ao seu conselho eu devesse me desviar Para aquele curso sinistro que, é sabido, Esconde a Torre Negra? Porém eu, de boa-fé imbuído, Tomei o indicado caminho, sem orgulho demonstrar Nem esperança rediviva ao ver o fim se aproximar, Mas sim gratidão pela idéia de algum fim existir.
Pois, se depois de o mundo todo vagar Se na minha busca ano a ano estendida Minha esperança tornou-se uma sombra encardida E incapaz de com o gozo ruidoso da vitória lidar, A festa no meu coração eu mal pude refrear Quando este entreviu a batalha perdida.
Assim como um doente à beira da morte Já parece morto, e pressente o pranto fatal, e recebe de todos a despedida amical, E escuta ao longe a saída de outro consorte Para respirar lá fora, (não se muda a sorte, ele diz, e o pesar não se alivia com o golpe final)

Enquanto outros debatem junto às covas Se há espaço para o caixão e que hora É a mais apropriada para levá-lo embora, Sem esquecer dos estandartes, hinos e estolas, O homem ouve cada uma dessas estórias E, respeitando tanta candura, quer partir sem demora.
Assim, já sofro há tanto nessa jornada Já ouvi do fracasso o vaticínio e a confirmação Para tantos e tantos companheiros da Afiliação de cavaleiros que da Torre Negra atendem a chamada, Que falhar como eles me pareceu a coisa acertada E a única dúvida era: não seria essa minha função?
Tão quieto quanto o desespero eu dei as costas àquele coxo odioso, abandonando sua via e adentrando o caminho apontado. Todo o dia havia sido lúgubre, e as sombras, sobrepostas, fechavam-se a minha volta, mas uma olhadela torta, rubra e carrancuda, ele lançou à planície todavia.
Por Deus! Logo assim que me encontrei Jurado à planície, após não mais que uma passada, Parei para um último olhar à segurança da estrada E nada mais havia, só a planura cinza avistei Nada senão a vastidão sob o céu do astro rei. Sem mais a fazer, decidi seguir caminhada.
Assim, fui adiante. E creio nunca ter visto Natureza tão miserável e ignóbil, onde nada medra: Pois as flores – ou mesmo um cedro entre a pedra, Embora murchando como pela sua lei previsto, Mesmo no abandono perduram, pensaria você; Descobrem-se tesouros quando a casca quebra.
Mas não! Penúria, feiúra, inércia Em condição estranha está essa parte da terra “Veja, ou feche os olhos”, a Natureza berra “Não há escapatória: ela é de todo néscia, Só o fogo do Julgamento Final trará a panacéia, Calcinando o chão e livrando os presos que ele cerra.”
Se havia ali alguma ressequida haste de cardo, Seus colegas não se achavam, e o talo estava decepado. O que fez aqueles buracos e rasgos no folhado escuro e duro da bardana, tão machucado que era impossível pensá-lo regenerado? Era preciso que um bruto as tivesse pisoteado.
Quanto à relva, era como o cabelo escasso Dos leprosos; magras lâminas secas na lama Que parecia ter por baixo uma sangüínea trama. Um cavalo cego e rijo, ossos à vista, lasso, Parava ali, estúpido; havia chegado àquele pedaço: Rebento que o garanhão do diabo não reclama!
Vivo? A meu ver poderia muito bem já ter partido, Com seu pescoço rubro, descarnado e macilento. E os olhos fechados por sob o pêlo bolorento; Nunca o grotesco andou à desgraça tão unido; E jamais senti por criatura ódio tão ardido: Ele deve ser mau para merecer tal sofrimento.
Fecho meus olhos, e os volto para o meu coração, Como um homem que pede vinho antes de lutar, Visão mais feliz, de outro tempo, eu quis saborear Para ficar mais apto a encarar minha missão. Pensar antes, lutar depois, eis do soldado o bordão: Um vislumbre do passado pode a tudo acertar.
Mas não! Imaginei de Cuthbert a face corada Em meio a seu adorno de cachos dourados, Querido amigo, eu quase o senti laçar meus braços Para me colocar a postos na caminhada Como ele sempre fez. Ai, noite desgraçada! O fogo no meu coração se apagou, deixando-o gelado.
Giles então surge – ele que é da honra a alma, Leal como há dez anos, quando tornou-se cavaleiro Capaz de ousar tudo que ousaria um homem verdadeiro Mas – argh – a cena se modifica! Um carrasco infama seu peito com um aviso que para todos informa: Desprezado e amaldiçoado; traidor rasteiro.
Do que um passado assim, melhor este presente Que eu volte então para meu caminho triste Nenhum som, nada que se veja ao longe em riste. Aparecerá morcego ou coruja após o poente? Perguntei quando algo na planície descrente capturou e dominou meu pensamento num despiste.
Um súbito córrego atravessava meu caminho Veio tão inesperado quanto uma cobra Sem o lento escorrer que a atmosfera desdobra Poderia ser um banho, com seu burburinho, Para o casco do demônio, a ver seu redemoinho Negro borbulhar com espuma e faísca rubra.
Tão pequeno e ao mesmo tempo tão mau Amieiros o cercavam, rasteiros e mirrados; Salgueiros afundavam-se e afogavam-se desesperados Numa síncope muda, num atropelo mortal: Quem os destruiu foi esse carrasco manancial, E, fosse ele o que fosse, fluía sem ser desviado.
Bom Deus, ao adentrar seu leito, quanto medo De pisar o rosto de algum cadáver humano, A cada passo – tateando com um ramo A cata de buracos – seus cabelos entre meus dedos. Um rato-d’água talvez tenha por acaso lancetado, Mas, argh, parecia o grito de um menino.
Estava feliz quando cheguei ao outro lado. Agora terras melhores me esperam. Vã esperança! Quais foram os contendores? Qual foi a matança? Que trotar selvagem pôde fazer desse solo molhado Um atoleiro? Sapos em um tanque infectado Ou gatos selvagens numa cela em incandescência –
Assim deve ter sido a luta naquela arena decadente O que os trouxe até lá, se tinham toda a planície? Nenhuma pegada na direção daquela imundície Nenhuma dela se afastando. Alguma poção demente Agiu em seus cérebros, sem dúvida, como no da gente Escrava – judia e cristã – que o turco atiçava por malícia.
E além de tudo – a uma milha -, o que era aquele achado? Para que mau intuito servia aquela máquina, aquela polia - Um travão, não uma polia -, aquela grade que fiaria Corpos humanos como se fossem seda? O ar desonrado Dos rituais de Tophet, na terra perdido, ou invocado Para afiar o enferrujado metal da sua gradaria.
Então uma terra de galhos, que um dia foi floresta; Depois algo como um pântano; e agora apenas terra dura Desesperada e acabada (um tolo encontra ventura, Faz algo e em seguida o destrói, seu humor desembesta E ele o abandona!). Por dez ares, chão que cresta, Lamaçal, seixos, areia, e uma esterilidade negra, impura.
Agora, pústulas inflamam-se em cor forte, E medonha. Agora, remendos onde a aridez do chão Tornou-se musgo, ou substâncias em ebulição; Surge então um carvalho, e nele há um corte Como uma boca distorcida que cava seu porte Num bocejo para a morte, morrendo em seu repuxão.
E tão longe como nunca o fim se afigura! Nada no horizonte senão a noite, nada Que direcionasse adiante minha passada! Isso pensei, e surgiu um pássaro de imensa negrura Amigo de Satã, a asa de dragão, na largura, roçou meu gorro – talvez esta fosse a guia procurada.
Ao olhar para cima, apesar do anoitecer, Vi com mais clareza. A planície dera lugar às montanhas que a cercavam – nome muito invulgar Para meras alturas feias e montes a não mais ver. Como poderiam elas ter-me surpreendido, tente esclarecer! Como vencê-las também não era fácil deslindar.
Mas ainda assim, pareci reconhecer certo truque Do qual fui vítima, Deus sabe quando - Talvez em um mau sonho. Aqui estava terminando O progresso por este caminho. Quando fiz que desistia, mais uma vez, soou um clique Como o de um alçapão atrás de mim se fechando.
Veio a mim de imediato, como fogo em um milharal, Era este o lugar! À direita, esses dois morros, agachados, como dois búfalos com os chifres enganchados; Enquanto à esquerda, uma montanha alta… Boçal, Imbecil, vacilar logo na hora mais crucial, Você que treinou uma vida para ter olhos afiados!
E se a própria Torre estivesse no centro? Redonda e atarracada, cega como um coração rasteiro, Feita de pedra marrom, sem igual no mundo inteiro. O elfo, caçoando da tempestade que o ronda, Aponta ao timoneiro o banco que ninguém sonda. Ele aporta, por pouco não rompendo do casco o madeiro.
Não vê-la? Talvez por conta da noite? – se o dia Ressurgiu para isto! E antes de partir novamente O poente brilhou por uma fenda rente: As colinas, como gigantes caçadores na tocaia, Esperando que a presa na armadilha caia - “Agora ataquem e matem a criatura, inclementes”.
Não ouvi-la? Com tantos sons à volta! O ribombar dos sinos cada vez mais alto. Nomes nos meus ouvidos Todos os aventureiros, meus companheiros perdidos - Como, se um era tão forte, outro de tão corajoso bradar, Outro tão afortunado, como foram perdidos acabar? Um instante trazia tantos anos de sofrimentos renascidos.
Ali estavam eles, pelos lados dos montes, unidos Para assistir meu fim. Eu, uma moldura animada Para mais um quadro! Numa súbita labareda Eu os vi e reconheci a todos. E, destemido, Deixei meus lábios formarem um bramido: “Childe Roland à Torre Negra chegou”, foi minha chamada.”

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